segunda-feira, 25 de abril de 2011

Antes de dormir, eu leio. Todos os dias.

Uma Arte
Elizabeth Bishop


Não é difícil dominar a arte de perder;
Tanta coisa parece preenchida pela intenção de ser perdida que sua perda não é nenhum desastre.

Perca alguma coisa todo dia. Aceite a novela
das chaves perdidas, a hora desperdiçada.
Não é difícil dominar a arte de perder.

Exercite se perdendo mais, mais rápido:
lugares, nomes, e pra onde mesmo você ia viajar?
Nenhum desastre.

Perdi o relógio de minha mãe e, olha só,
de três casas que amava, a última e a penúltima se foram.
Não é difícil dominar a arte de perder.

Perdi duas cidades adoráveis e ainda alguns domínios,
Propriedades, dois rios, um continente.
Sinto sua falta, mas não foi nenhum desastre.

Até mesmo perder você (a voz gozada, o gesto que eu amava),
não posso mentir. É claro que não é tão difícil dominar a arte de perder,
apesar de parecer, pode escrever, desastre.

Lya Luft, in Múltipla Escolha

“A falsa liberdade e a síndrome do ‘ter de’: essa é uma manifestação típica do nosso tempo, contagiosa e difícil de curar porque se alimenta da nossa fragilidade, do quanto somos impressionáveis, e da força do espírito de rebanho que nos condiciona a seguir os outros. Eu tenho de fazer o que se espera de mim. Tenho de ambicionar esses bens, esse status, esse modo de viver – ou serei diferente, e estarei fora.”

“O ‘ter de’ nos faz correr por aí com algemas nos tornozelos, mas talvez a gente só quisesse ser um pouco mais tranqüilo, mais enraizado, mais amado, com algum tempo para curtir as coisas pequenas e refletir. Porém temos que estar à frente, ainda que na fila do SUS.”

“Queremos mais que o possível, o espantoso: atividade, dinheiro, perfeição física, competitividade no trabalho, desempenho no amor, quem sabe até aquela foto na revista, a entrevista, os segundos de fama.

Mas sofremos a solidão no quarto, a ausência à mesa, a alegria perdida, o rosto onde nada combina, o silicone que escorre, a cicatriz que ressurge, e o tempo que ri de nós porque não o soubemos encarar. Enquanto nós, teatro mambembe de pequenos absurdos ainda não encontramos nem a roupa nem o texto, nem sabemos quem vai nos dirigir, platéia de nós mesmos, sentada no escuro.

Carentes de uma escuta interessada, não temos com quem falar. Para as decisões que devíamos tomar (às vezes o melhor é não fazer nada, mas refletir um pouco), precisamos de informação, que nasce da comunicação. Mas, no século dos mais altos decibéis, quando se trata da palavra somos desajeitados: temos medo de falar, e temor de silenciar.”

“As almas não vestem uniforme como nos antigos internatos ou nas festas modernas: somos individualidades entre as quais aqui e ali se constrói uma ponte, mas também se erguem paredes, que podem ser de vidro ou pedra bruta.”

“Quero falar, mas exijo ser inteiramente compreendido, e assim me frustro; prefiro calar para não assumir a responsabilidade sobre o efeito das minhas palavras, e assim me isolo.”

“Sempre seremos dois: ser um só é a ilusória promessa de um romantismo cruel.”

“Vasculhar a alma do outro pode trazer decepções, não porque ele cometa pecados extraordinários, mas porque esperávamos encontrar ali a perfeição, e o outro se sentirá agredido.”

“Ao contrário do que se pensa, do questionamento pode resultar, em vez de mais confusão, simplicidade. Sossego e recolhimento para lamber as feridas, alisar os entusiasmos, pentear as emoções, voltar para a vida fazendo bonito. Pois a gente merece. Num instante de felicidade, talvez se consiga voltar ao colo dos afetos, ou procurar novos se os velhos não nos fazem bem. Caminhamos com incertezas soprando seu bafo em nosso calcanhar – por isso, mesmo trôpegos e tímidos, somos uns heróis no cotidiano e no transcendental.

A gente só teria de ser um pouco mais despojado, menos desconfiado, mais aberto – atento para não se enredar em princípios mofados ou modernosos demais, que para ouvidos mais despreparados parecem os mais interessantes.

Sempre foi duro vencer o espírito de rebanho, mas esse conflito se tornou quase esquizofrênico: por um lado, precisamos ser como todo mundo, é importante adequar-se, pertencer; por outro lado, é necessário criar e preservar uma identidade e até impor-se, às vezes transgredir para sobreviver. Em geral acabamos descobrindo ou inventando nosso papel, nosso roteiro, nosso caminho.

Porém, no fundo de cada um aquele olho da dúvida entreabre sua pesada pálpebra e nos encara, compadecido ou provocador: como estamos vivendo a nossa vida, quanto valemos, quanto decidimos ou somos tangidos, quanto estamos conscientes do nosso próprio drama e fraqueza, mas também da nossa força?

Em que medida prevalece em nós a vontade ainda infantil de que outros resolvam os problemas, ou quanto curtimos, dentro de nossas possibilidades, a aventura cotidiana de cada banal, ou extravagante, ou apenas indispensável opção?”

***

“Assumir um tom diferente ou mudar qualquer situação, ser o soldado com passo diferente, pode ser muito penoso: exige determinação, informação, ação fora da nossa geral ambigüidade. Mesmo em situações difíceis, mesmo sofrendo, queremos e não queremos mudar. Queremos e não queremos repensar a vida. Falsamente livres nesta que se diz uma sociedade liberada, tangidos por desejos e chamados de toda sorte, nosso território é a contradição: comodismo ou heroísmo, o que escolher?"

***

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Trust me

"Trust in me, baby, give me time, gimme time, um gimme time.
I heard somebody say, oh, "The older the grape,
Sweeter the wine, sweeter the wine."

Oh, my love is like a seed, baby,
just needs time to grow,
It's growing stronger day by day, yeah,
That's the price you've got to pay. (...)"



Silêncio. Muita coisa já foi dita. Vamos ouvir um pouco de Janis.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Eternos namorados

Estava navegando no meu facebook quando me deparei com umas tais crônicas digitais. Confesso que não me apaixonei pelo formato, mas conheci o blog da Fernanda Mello e, especialmente, o post com esse link... FERNANDA MELLO.

Os fios brancos chegaram, muito mais pelo estresse do que pela velhice. Do alto desses fios brancos comecei a me afastar desesperadamente das montanhas-russas dos casos complicados do coração [a expressão ficou bem brega, mas é assim mesmo, BREGA]. Meu coração já não aguentaria tantos solavancos. Precisava de paz.

E a vida me foi generosa. Talvez eu tenha dado um empurrão(zinho) e apurado os meus sentidos. Não é que eu soube reconhecer o que me faria bem depois de tantos anos? Encontrei meus olhos verdes, meu cavanhaque ruivo, minha boina preta. Tudo isso perdido numa madrugada cerrada na Lapa em meio a um rock'n roll pesado. Fui lá, toda despretensiosa e encontrei minha paz. Não só naquela noite, mas por uma vida [quero acreditar!]. Aprendi a construir o que eu nunca soube muito bem e ainda me surpreendo com o dia-a-dia e com os aprendizados.

Hoje deixo o exagero com o Cazuza e fico com a serenidade de uma vida não menos apaixonada. O amor está na construção de algo muito maior do que o imediatismo. Ah, meus avós é que eram os grandes sábios! Eles sempre souberam muito mais do que a minha vã consciência poderia alcançar aos dezoito anos, época das avassaladoras e teimosas e dolorosas e qualquer-coisa-esquisita-que-o-valha paixões.

A única coisa que lamento foi não ter percebido tudo isso antes e não ter tido um "papo reto" com os gurus do amor: Frófró e Manolo, os avós mais lindos, os donos do caderno de recados mais apaixonados que eu guardo na minha gaveta escondida. O caderno é minha lembrança mais profunda daqueles que marcam minhas orações noite e dia. Sim, foi a herança mais valiosa que me foi deixada.

Se penso em amor de um casal, não tenho como esquecer daqueles que andavam de mãos dadas aos setenta e poucos anos de idade pelo Parque de Itatiaia como eternos namorados. Eles. Não quaisquer outros. Apenas eles.

Eles chegaram lá porque um dia começaram a escrever o caderno. Coisa mais bonita de se ver. E esse caderno foi guardado por mais de cinquenta anos. Até que os dois se foram. E hoje é guardado por mim com o amor que me foi ensinado por eles. Não quaisquer outros. Apenas eles.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Girassol.



Temperatura amena. Sol escondido. Gosto especialmente de dias assim. Também gosto de dias com o azul rasgado no céu, mas nesse Rio de Janeiro é difícil ter o céu azul desacompanhado de um calor de quarenta graus.
Fico com a minha temperatura agradável de vinte e poucos graus e passarinhos cantantes. Dias assim me dão conforto e paz. Noites bem dormidas também. Final de semana em boa companhia também. Amor e carinho e abundância também.
Ah, amar. Verbo intransitivo, já ensinou o grande escritor a despeito da senhora gramática. Os problemas começam quando perguntamos amar o quê e amar a quem para formar os objetos da oração, teimosos que somos, mais por nós mesmos do pelo apreço à língua portuguesa. Ficam piores ainda quando emendamos um amar por quê e amar para quê. Aí danou-se.
Só que ganhei na loteria. Amo. E me amam. Simples assim. Verbos intransitivos. Até quando eu não sei. Mas a cada dia que passa tenho mais certeza que é pela eternidade. O amor tem dessas coisas.
Hoje o girassol olha para mim. O sol que não está no céu está em mim.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Não sei. Só sei que foi assim.

Às vezes, nós ficamos doentes e reféns de remédios. Isso não tem beleza literária. Não tem sequer beleza. Pois é. A minha enxaqueca é uma dessas coisas que me colocou numa jaula. Até que ela não vem tocando a vuvuzela, mas eu ouço a voz dela distante nos meus ouvidos. Afinal, eu tenho que tomar remédios diários para evitá-la, não é? Isso não é belo. Eu preferia não tomá-los. Eu preferia voltar à época em que eu não tinha dores de cabeça constantes, em que os dias eram mais azuis e que o maracujá resolvia qualquer parada. Bom, mas os fatos são os fatos. Eu não sei o porquê. Não sei mesmo. Não sei. Só sei que foi assim.
E... virei a garota enxaqueca. Não que isso tenha muito humor, mas a gente tenta descontrair.